NOTAS
NOTA TÉCNICA SOBRE O JULGAMENTO NO STF DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOBRE A ILEGALIDADE DE PROVA COLETADA POR MEIO DE REVISTA VEXATÓRIA
SOBRE A ILEGALIDADE DE PROVA COLETADA POR MEIO DE REVISTA VEXATÓRIA

O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/ RJ) é um órgão criado pela Lei Estadual n.º 5.778 de 30 de junho de 2010, vinculado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em que se encontram submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes. Segundo o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, os Mecanismos também têm como atribuição recomendar medidas para a adequação dos espaços de privação de liberdade aos parâmetros internacionais e nacionais e acompanhar as medidas implementadas para atender às recomendações.
Como prevenção da tortura e de outros tratamentos ou penais cruéis, desumanos e degradantes entende-se “desde a análise de instrumentos internacionais de proteção até o exame das condições materiais de detenção, considerando políticas públicas, orçamentos, regulações, orientações escritas e conceitos teóricos que explicam os atos e omissões que impedem a aplicação de princípios universais em condições locais”. Para tanto, o propósito fundamental do mandato preventivo é o de “identificação do risco de tortura” e, a partir da ação proativa de monitoramento de centros de privação de liberdade, prevenir que as violações aconteçam. O enfoque preventivo do MEPCT/RJ se baseia na premissa de um diálogo cooperativo com as autoridades competentes para coibição da tortura e outros tratamentos degradantes e cruéis à pessoa privada de sua liberdade. Desta forma, como expressa o inciso II, do art. 2º da lei que o institui, busca-se a “articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo e de poder, principalmente, entre os órgãos responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade, por locais de longa permanência e pela proteção de direitos humanos” (Lei Estadual n.º 5.778/2010).
Além disso, a construção de Mecanismos Preventivos de monitoramento dos locais de privação de liberdade integra as prerrogativas do “Plano de Ações de Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil”, de 2006, bem como o Plano Nacional de Direitos Humanos III, (PNDH 3) da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Neste sentido, o Estado do Rio de Janeiro coloca-se em posição de pioneirismo na Federação, salientando o compromisso com a implementação do Plano de Ações Integradas para a Prevenção e Combate à Tortura no Brasil, com a defesa dos direitos humanos e a consolidação dos princípios democráticos.
O Mecanismo MEPCT/RJ deu início às suas atividades em julho de 2011 após a nomeação de seus membros pelo presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, conforme atribuição do inciso II do 5º parágrafo da Lei Estadual n.º 5.778/10.
O Supremo Tribunal Federal iniciou, no dia 6 de fevereiro de 2025, o julgamento de um tema de grande relevância jurídica e social: a legalidade da revista íntima como procedimento para a entrada de visitantes em estabelecimentos prisionais e a validade das provas obtidas por meio desse método. O julgamento envolve o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, que possui repercussão geral reconhecida, significando que a decisão tomada pelo STF afetará casos semelhantes em todo o país.
Neste contexto, o caso concreto trata da absolvição de uma mulher acusada de tráfico de drogas, que foi considerada inocente após a prova obtida por meio de revista íntima ter sido considerada ilícita. A revisão dessa prática, que envolve a inspeção das genitais de visitantes, é um tratamento degradante e que fera a dignidade.
Embora em tese a prática possa ser estendida a todos os visitantes, são as mulheres e as meninas as mais afetadas, considerando que a maioria dos visitantes cadastrados são mulheres, sendo elas, submetidas a tratamento degradante. Essa revista exige, em muitas situações, que a pessoa retire toda sua roupa, se agache e fique com as genitálias expostas na frente de agentes, outras pessoas que estão visitando, podendo incluir até mesmo os filhos.
Em primeiro lugar, destacamos o posicionamento da Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em que afirmam que essa forma de revista se configura enquanto tortura e flagrante violação dos Direitos Humanos, gerando impactos físicos, morais e emocionais às vítimas... A ação de obrigar alguém a se despir para a realização de uma revista é classificada como tortura sexual. Apenas o ato de forçar o desnudamento também tem sido reconhecido como prática de tortura e violência sexual, uma vez que não é necessário contato físico para que essa violência seja caracterizada.
Neste sentido, o MEPCT/RJ, que desde 2011 atua na Prevenção e Combate à Tortura no Rio de Janeiro, constantemente recebendo denúncias de familiares e realizando visitas de inspeção nos espaços de privação de liberdade, reitera o entendimento de se tratar de tratamento degradante, portanto, configurando uma revista de cunho vexatório.
A Revista Vexatória constitui uma grave violação que atenta contra a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas, sobretudo das meninas e mulheres. Em muitos casos, essas revistas são realizadas sem o devido respeito à privacidade dos visitantes e com a utilização de métodos humilhantes e muitas vezes invasivos, como a revista íntima. Esse tipo de abordagem causa um profundo impacto emocional e psicológico nas vítimas, gerando sofrimento e constrangimento. A crueldade de tais práticas não se restringe apenas aos adultos, mas afeta também crianças e idosos, grupos vulneráveis que não deveriam, sob nenhuma circunstância, ser submetidos a esse tipo de tratamento.
O MEPCT/RJ tem se posicionado firmemente sobre o problema das revistas vexatórias, emitindo diversos relatórios ao longo dos anos que condenam essas práticas como desproporcionais, desumanas e cruéis. Tal procedimento deixa danos físicos e psicológicos às vítimas, pois, além de serem uma forma de violência explícita, essas revistas podem causar sequelas emocionais duradouras.
No Estado do Rio de Janeiro, a Lei 7010/2015, em seu artigo 3º expressamente proíbe no âmbito das unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro, a revista íntima. Esta proibição, além de constitucional, está consoante os pareceres das Cortes Internacionais, e de órgãos internacionais e nacionais de Direitos Humanos, incluindo o MEPCT/RJ.
Essas práticas não apenas ferem a Constituição Federal, que garante a dignidade da pessoa humana, mas também violam as leis internacionais de direitos humanos ao qual o Brasil é signatário. Como, por exemplo, Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica, que condena qualquer tratamento que seja degradante ou desumano, sublinhando a importância do respeito à dignidade de todos os seres humanos, sem discriminação.
O Estado deve zelar pela dignidade por adotar práticas mais respeitosas e humanitárias, que garantam a dignidade das pessoas, sem a necessidade de recorrer a métodos invasivos e humilhantes.
A existência da revista mecânica com métodos menos agressivas, como o uso de scanners corporais, torna inaceitável que ainda seja feita a revista íntima, verdadeiramente vexatória, na entrada dos Presídios. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), estabelece que o controle de acesso às unidades prisionais deve ser feito por meio de equipamentos eletrônicos, como detectores de metais, scanners corporais, raquetes de detecção e aparelhos de raios-x. A ausência desses dispositivos não justifica a realização de revistas íntimas, pois essa prática é incompatível com os princípios da legalidade, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade.
O Estado Brasileiro deve garantir a compra dos equipamentos eletrônicos, como detectores de metais, scanners corporais, raquetes de detecção e aparelhos de raios-x. Sendo inaceitável sob qualquer justificativa o uso de revista íntima, tratamento cruel ou degradante, ferindo os direitos de visitantes e familiares que são em sua grande maioria mulheres. Sob qualquer justificativa, a revista intima desrespeita princípios da Constituição Federal de 1988, Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, Pacto de San José da Costa Rica, Regras de Bangkok, e Convenção Contra a Tortura da ONU.
Anne Cláudia Felix da Silva (432.935-5)
Caroline Cunha Faria (424.371-3)
Eliene Maria Vieira (429.459-1)
Erivelto Melchiades (432.934-8)
Valéria da Rocha Pedro (433.108-8)
Vanessa Figueiredo Lima (432.936-3)